Alberto Madeiro, Editor Associado da Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do SUS (RESS), Docente da Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
Toda forma de violência interpessoal é uma importante violação dos direitos humanos. Tanto por sua magnitude como por suas consequências devastadoras na infância e na idade adulta, a violência contra as crianças assume um triste protagonismo global. Estimativas de 96 países mostraram que cerca de 1 bilhão de crianças de 2 a 17 anos já sofreram algum tipo de violência no ano anterior ao levantamento. São bem conhecidas as repercussões negativas na saúde física e mental na infância, além de comportamentos de risco, como consumo abusivo de álcool e drogas ilícitas, na vida adulta.
O artigo Notificações de violência física, sexual, psicológica e negligência contra crianças no Brasil, 2011-2019: um estudo ecológico de série temporal, publicado no vol. 32, n.º 3 (2023), do periódico Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do SUS (RESS), avança ao analisar a tendência temporal das notificações dos quatro tipos de violência contra crianças com até 9 anos de idade em todo o país. O estudo, conduzido por Letícia Sartori e colaboradoras, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), compilou os casos notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), entre 2011 e 2019.
Foram notificados 88.820 casos de violência física, 87.141 de violência sexual, 52.359 de violência psicológica e 166.664 de negligência. Houve tendência crescente para todos os tipos de violência no Brasil, independentemente do sexo. Além disso, as regiões Nordeste e Sudeste também exibiram tendência crescente para os quatro tipos de violência. Por sua vez, as taxas de notificações de negligência e de violência sexual apresentaram as maiores elevações no país para o período avaliado.
As autoras ponderam que, em determinadas culturas, há “naturalização de castigo corporal e verbal como prática educativa parental”, e isso pode se relacionar à subnotificação dos casos pelos profissionais de saúde, notadamente em casos menos graves de violência física e psicológica. Por outro lado, situações de “negligência e de violência sexual tendem a não ser vistas passivamente pelos profissionais de saúde”, o que aumentaria as notificações. De forma acertada, elas também destacam que “aumentos significativos nas notificações de violência sexual para meninos e meninas reforçam a necessidade de direcionamento de campanhas contra violências para ambos os sexos”.
Sob qualquer prisma, esses resultados são alarmantes. Ainda mais quando se considera que a subnotificação de episódios violentos contra crianças é comum. De modo geral, o sistema de saúde capta os casos que demandam assistência em saúde, frequentemente casos mais graves e recorrentes. Apesar da magnitude quase endêmica da violência contra as crianças, as evidências demonstram que tais agressões são evitáveis. Esforços multissetoriais, incluindo os serviços de saúde, de educação e de justiça, são necessários para ofertar às crianças o futuro que merecem.
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Referências
- GOLDHAGEN, J.L., et al. Rights, justice, and equity: a global agenda for child health and wellbeing. Lancet Child Adolesc Health [online]. 2020, vol. 4, no. 1, pp. 80-90 [viewed 12 April 2024]. https://doi.org/10.1016/S2352-4642(19)30346-3. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lanchi/article/PIIS2352-4642(19)30346-3/
- HILLIS, S., et al. Global prevalence of past-year violence against children: a systematic review and minimum estimates. Pediatrics. 2016, vol. 137, no. 3, e20154079 [viewed 12 April 2024]. https://doi.org/10.1542/peds.2015-4079. Available from: https://publications.aap.org/pediatrics/article-abstract/137/3/e20154079/81439/Global-Prevalence-of-Past-year-Violence-Against
- World Health Organization (WHO). Ending violence against children through health systems strengthening and multisectoral approaches [online]. Geneva: WHO, 2022 [viewed 12 April 2024]. Available from: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB152/B152_21-en.pdf
Links externos
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